CARLOS HEE E O SEU TREM FANTASMA: EMBARQUE JÁ!
Os anos 70/80 foram efervescentes e o liberou geral? Acabou mesmo?
Por Marccelus Bragg
Carlos Hee, depois de papear com gente que mal sabia o que foi a liberação sexual dos anos 70/80, tomou uma decisão. Resolveu colocar o seu “Trem Fantasma” nos trilhos e desta compreensão nasceram escritos surpreendentes. E surge da “estação” criativa do Hee – uma viagem idílica rumo a aventura do conhecimento – e nos fala o autor: “Trem Fantasma é, antes de tudo, um livro sobre o encontro com a realidade cruel, com o fim do sonho. Um grupo de jovens, que descobrem a sexualidade e, ao mesmo tempo, percebem que a liberdade pode significar a morte. Mas que vale a pena viver. Por mais que a vida se mostre perigosa e destruidora, nada é melhor que viver e sentir um grande amor. Ter todas as experiências que a vida nos proporciona, viver o mais intensamente possível, porque pode haver um dia de sol maravilhoso numa praia no fim dessa viagem”. O livro já está quase esgotado na primeira edição, mas há de vir uma nova tiragem por aí. Até lá, quem quiser ter um Carlos Hee na prateleira vá nas ferramentas de busca da internet e manda ver!. Embarquem no “Trem Fantasmo” e tenham extasiantes surpresas…
* Falar de algo assim. Um tema que em tempos idos se associava a estranha maldição do “Amor que não se ousa dizer o nome” não te causa desconforto? E os anos 70/80 a liberação foi geral?
O que é considerado maldito para alguns não passava do dia-a-dia dos gays nos anos 70/80. Foi exatamente por perceber que as pessoas não tinham mais noção do que se passou nesse passadao tão recente, que decidi escrever o livro. E mostrar que não havia nada de maldito no comportamento dessas pessoas. Eram apenas pessoas normais, que levavam a vida segunda a liberação sexual que tomou conta no Brasil nos anos 70. E escrever sobre isso não me abriu nenhuma ferida, pois não as tenho. As que tive, estão completamente cicatrizadas. Ou seja, lembrei daqueles anos, ao escrever o livro, com muito carinho e me diverti muito ao relembrar de lugares e pessoas que eu conheci e me ajudaram a revolver minha memória.
* A homossexualidade, como você a vê?
Para mim, a homossexualidade é uma questão genética. Não se faz uma opção sexual em algum momento de nossas vidas. A sexualidade vem conosco da mesma forma que nossas características físicas, a cor dos olhos da pele. Dizer que a educação e/ou os amigos fazem com que alguém se torne homossexual é uma besteira completa. Nunca conheci um homossexual que não tinha interesse no mesmo sexo desde a mais tenra idade. Desde pequenos já se nota para que lado tende o interesse sexual. Não há uma escolha. O que acontece é não se aceitar como homossexual e, muitas vezes, adotar uma vida heterossexual. Muitos homens gays se casam e ficam assim por toda a vida. Mas ai sim é uma questão de família e da sociedade, que lhes obriga a ter essa situação. Mas, no íntimo, o desejo é homossexual. Por isso conhecemos tantos homens casados que procuram outros homens para satisfazer suas necessidades sexuais. Estes jamais vão sair do armário.
* Como há decadas atrás, ainda é possível se detectar o preconceito anti gay?
Ainda existe muito preconceito com relação à homossexualidade. Hoje muito menor do que há 30 anos. Existe uma aceitação maior dos gays e lésbicas na sociedade. Os gays começaram a mostrar que são pessoas como qualquer outra. Não caricaturas, como eram identificados no passado. Passaram a ocupar lugares de destaque na sociedade. Mas mesmo assim muitos continuam escondendo sua sexualidade. Não é necessário levantar bandeira a toda hora ou momento. Mas mostrar ao seu universo familiar e social, com os amigos e colegas de trabalho, que ser gay não é uma anomalia, é uma coisa absolutamente normal. Ou seja, a única diferença entre um homossexual e um heterossexual é seu objeto do desejo. E ninguém fica perguntando para um heterossexual o que ele faz na cama. O que se faz na intimidade não interessa para ninguém além dos envolvidos. E isso a sociedade começa a perceber. Da mesma forma que ser negro não é diferente de ser branco ou amarelo. Todos somos homens e mulheres. Mas o preconceito é difícil de terminar. Sempre existirão os radicais e irredutíveis.
* Essa questão do existir uma “Literatura Gay Brasileira” , ela é real? É possível se vislumbrar um futuro promissor nesta área?
No Brasil a literatura gay está começando a engatinhar. O número de livros que se publica de literatura que tenha o universo GLBT como tema central ainda é ínfimo. São poucos os livros que tratam do assunto. Menos ainda com qualidade. Escrevi um artigo para a revista Cult sobre o assunto, onde disse que não existe uma literatura gay brasileira. Existem alguns poucos autores que discorrem sobre esse tema. João Silvério Trevisan é um dos mais importantes autores desse segmento, que conseguiu ser respeitado com livros maravilhosos. Dos estrangeiros, gosto demais do cubano Reinaldo Arenas, que escreveu Antes que Anoiteça , o americano James Baldwin, que fez minha cabeça na adolescência com Giovanni , Pier Paolo Pasolini, com Teorema , o inglês Evelyn Waugh, com o deliciado Memórias de Brideshead .
* Os anos 70 e 80 são a inspiração do “Trem Fantasma”?
No final dos anos 90, comecei a perceber, ao conversar com amigos na faixa dos 20 e 30 anos, que eles não tinham idéia do que tinha sido os anos 70/80 no mundo gay. Os lugares já não existiam mais, e o pior, os sobreviventes dos anos 80 eram poucos. A Aids havia quase destruído toda a comunidade gay de uma maneira muito rápida e cruel. O que me deixou impressionado é que esta juventude já não encarava mais a Aids como uma ameaça mortal. O terror desaparecera. Ninguém mais via ao vivo e a cores o que a Aids provoca. A descoberta dos antiretrovirais, o coquetel, deu à Aids a condição de uma doença crônica. Não matava mais em poucos meses. Isso faz com que o descuido seja maior. Principalmente porque o Estado não cumpre seu papel de conscientização, com campanhas que surtam efeitos de verdade. Quando li o livro Comportento Sexual e Aids , do jornalista americano Gabriel Rotello, vi que poderia escrever um ulivro que mostrasse a essas novas gerações o que aconteceu nos anos 80, quando surgiu a Aids.
* Carlos Hee, diz algo aí sobre o teu dia à dia. Você é colunista do Estadão? Há crenças na tua vida?
Sou uma pessoa absolutamente normal. Trabalho no jornal O Estado de S.Paulo, fazendo a coluna Persona, há 12 anos. Acabei de sair de um relacionamento de 17 anos e freqüento pouco os lugares gays, mais por falta de tempo do que por vontade. Hoje, não tenho mais vontade de ir à boates todos os finais de semana. Gosto mais de encontrar amigos e conversar, viajar, como todo mundo. E acredito, sempre, nas pessoas e nas grande amizades.
* É o “Trem Fantasma” uma viagem? Vamos saber mais detalhes?
O título Trem Fantasma surgiu quando estava escrevendo os últimos capítulos, já bem no final, quando o narrador compara sua vida a uma viagem num trem-fantasma de parque de diversões. Depois, ao reler os originais, percebi que havia escrito como uma grande viagem num mundo cheio de excitação, que vai se transformando um um susto atrás do outro, conforme a trama se desenvolve. Tudo que eu queria contar está no livro, todas as histórias estão completas, não há nada escondido, todas as relações estão completamente explícitas e nuas. Nada ficou nas entrelinhas.
* Foi fácil encontrar editor para este trabalho?
Não foi muito fácil, não. No Brasil, um tema como este não é bem visto pelas editoras. Elas não têm interesse em publicar livros gays. Durante dois anos mandei os originais para várias editoras, que jamais me deram resposta. Inclusive mandei para a uma editora especializada em literatura gay que não me deu qualquer satisfação. Depois de dois anos, resolvi mostrar os originais para o editor da Siciliano, que demorou dois dias para mandar o contrato e editar o livro pelo selo Mandarim. E vendeu muito bem.
*Demorou muito pro “Trem Fantasta” ficar pronto?
Escrevi o livro em dois meses. Talvez pelo hábito jornalístico de escrever diariamente, sou rápido para escrever. Não demorou muito.
* Qual o cerne da publicação? Qual a grande mensagem do livro? Você pode adiantar um aspecto legal desta tua literatura?
Trem Fantasma é, antes de tudo, um livro sobre o encontro com a realidade cruel, com o fim do sonho. Um grupo de jovens, que descobrem a sexualidade e, ao mesmo tempo, percebem que a liberdade pode significar a morte. Mas que vale a pena viver. Por mais que a vida se mostre perigosa e destruidora, nada é melhor que viver e sentir um grande amor. Ter todas as experiências que a vida nos proporciona, viver o mais intensamente possível, porque pode haver um dia de sol maravilhoso numa praia no fim dessa viagem.
* Como vc qualifica o seu livro: ficção, romance, drama, etc…
Acho que é um romance que mistura ficção e realidade, divertido, excitante e muito emocionante. Alguns personagens foram inspirados em pessoas que eu conheci e outros nasceram na minha imaginação.
*Você é um escritor engajado em causas sociais? Participa de atividades GLBTs? Fez algum laboratório para criar as personagens ou o enredo da publicação?
Não participo de nenunha ONG ou grupo GLBT. Admiro quem faz parte desses movimentos políticos e sociais em prol da causa gay. Acredito que meu livro é a minha contribuição para que muitos jovens tenham mais coragem para assumir sua sexualidade e para que muitos heterossexuais percebam que os gays são pessoas humanas que amam, sofrem, têm prazer e emoções. Para o Trem Fantasma não fiz nenhum laboratório ou pesquisa. Todo o enredo fluiu naturalmente, os personagens tomaram conta da história. O novo livro que eu estou escrevendo, porém, está exigindo mais tempo e uma pesquisa detalhada e profunda, por trata de Aids no século 21. Notei, mais uma vez, que as pessoas não têm um conhecimento da doença e que eu poderia escrever um livro, em forma de romance, mas com uma abordagem jornalística, que pode contribuir para que a Aids e suas conseqüências sejam mais conhecidas.
* Onde pode ser encontrado, e qual a forma das pessoas adquirirem o livro.
A primeira edição do Trem Fantasma está quase esgotada. E como qualquer outro livro gay não é muito fácil de ser encontrado nas livrarias, por puro preconceito dos livreiros. Mas ainda é possível comprar pela internet, no site da siciliano ( www.siciliano.com.br ), no submarino ( www.submarino.com.br ), por exemplo. Mas uma segunda edição está sendo preparada e vai ser mais fácil encontrá-lo.
* Você tem alguma opinião sobre o hábito da leitura.
Ler é a melhor viagem que alguém pode fazer sem sair do lugar. É ir longe com a imaginação. O grande segredo da leitura é que ao ler, cada leitor cria seu próprio universo e faz seu cineminha particular lá dentro da cabeça. E voa longe. Nada se compara à leitura, nem o cinema nem a televisão. Ler leva o leitor a lugares desconhecidos e emocionantes.
* A mensagem final?
Leiam Trem Fantasma e percebam que os anos 80 foi uma festa, que acabou mal para alguns, mas deu às gerações seguintes as informações necessárias para se viver intensamente e de uma maneira responsável. Ou seja, o prazer é uma das melhores coisas da vida. O prazer sexual sem culpa é melhor ainda. Portanto, camisinha sempre.
QUEM QUISER ENTRAR EM CONTATO COM CARLOS HEE:
carloshee@uol.com.br