Janderson Lemos, Angústias de um gay urbano I

NEM SÓ DE ANGÚSTIAS VIVE UM GAY URBANO: O LIVRO
Janderson Lemos faz uma literatura de nível, divertida, antenada e necessária.

Angústias De Um Gay Urbano I

Por Marccelus Bragg

Um Livro Para TODOS Os Sexos”, lançado na Bienal do Livro em 22/05/2005, é o primeiro livro que a dupla de professores e escritores Janderson Lemos de Souza e Marcelo Moraes lança junto. Com orelha escrita pela poeta Alcina Morais, prefácio pelo ator Octávio Mendes e quarta capa pelas atrizes Elke Maravilha e Zezé Motta, o livro aborda o quotidiano dos homossexuais masculinos nos grandes centros urbanos – o gay urbano como personagem ambientada na “Cidade do Mundo”. Em 19 capítulos, a urbanidade serve de mote para muito humor com os “tipos” de gay, as lésbicas, as situações… tudo sempre costurado por textos de Caetano Veloso, Chico Buarque, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Eça de Queirós, The Smiths, Boy George…

ENTREVISTA COM ESCRITOR JANDERSON LEMOS DE SOUZA

O Escritor Janderson Lemos

* Chegar a falar deste tema, maldito para alguns, não te abriu feridas internas?

Muito pelo contrário, Marccelus! Ajudou a fechar de vez. Minha relação com a palavra é terapêutica. Eu entendo melhor aquilo de que falo, e falar já é resultado de algo que aconteceu antes, internamente, que é a autopermissão para falar. Aliás, permissão é um assunto que o Marcelo (seu quase xará) e eu discutimos no Cap 2 do “Angústias”. Não é só a temática gay que é maldita. Tudo o que parte de uma mente autônoma costuma ser muito mal recebido, desde a escolha de uma profissão que os pais desaprovem até a decisão de não se enfiar numa boite por pressão social. Então, não dá para esperar que haja permissão para nada, muito menos para aquilo que tem menos chance de ter permissão, como a temática gay, que deve ser expressa de diferentes maneiras.

* Como vc compreende a homossexualidade?

Como um dado tão natural quanto a cor dos olhos ou a altura. A diferença é que a cor dos olhos ou a altura não têm repercussão na visão de mundo tradicionalmente constituída. E a visão de mundo homofóbica não se reconhece como uma dentre muitas visões de mundo. O que, aliás, é esperado de qualquer visão dogmática. Triste é que existam gays que se vejam com maus olhos, que sintam culpa por ser gays. Esses foram capturados tão cedo pela censura, que se tornaram censores, autocensores, algozes de si mesmos. Aí a história da falta de permissão, do como é difícil, reaparece como desculpa de fora para dentro para a falta de legitimidade sentida de dentro para fora.

* E de que forma vc acha que as pessoas vêem o estilo e o comportamento Gay e Lésbico?

Acho que ainda vêem a partir do estereótipo: o gay desmunhecante e a lésbica caminhoneira. Eles existem, é claro. Graças a Deus!!! O estereótipo não surge do nada. É assentado em farta evidência empírica. Mas turva a visão para os matizes, para as gradações. E põe no mesmo saco todo homem que ame outro homem e toda mulher que ame outra mulher, como se não houve a dimensão da individualidade, da singularidade, que eu tanto amo. No “Angústias”, a gente brinca muito com os estereótipos, mas sem esquecer essa dimensão. A gente faz um humor que permite a um gay e a uma lésbica reconhecerem as “espécies” e os convida a se verem como “espécimes”, sobretudo na capacidade subversiva que cada um tem, maior ou menor, de alterar no seu microcosmo a opinião que os seus convíveres têm sobre gays e lésbicas.

* Quem na sua opinião tem feito uma literatura GLBT ou contribuído para tal? Tem algum autor ou livro em especial que vc admira?

Felizmente, vários autores têm apresentado grandes contribuições à literatura GLBT. Eu me ressinto de ainda não ter lido uma série de bons livros recentemente publicados. No lançamento do “Angústias” em São Paulo, tive o enorme prazer de conhecer autores e livros interessantíssimos. Sendo injusto em não citar tantos outros, mencionaria o “Desclandestinidade”, do Pedro Almeida (que livro corajoso e digno!); o “Trem Fantasma”, do Carlos Hee (um presente para quem, como eu, era criança na década de 1980 e não tem informação sobre como era ser gay numa grande cidade naquele momento); e o “Crônicas de um gay assumido”, do Luiz Mott (a ficção realista do autor diverte e presta um grande serviço). Mas não posso esconder meu tietismo pelo mago João Silvério Trevisan! Levei meu “Devassos no paraíso” para ele autografar e fiquei superemocionado por conhecê-lo pessoalmente.

* Como nasceu a inspiração para você escrever esta obra?

Eu e o Marcelo somos amigos há 10 anos. Numa conversa por telefone, eu disse a ele que tinha começado a escrever um conto chamado “Por que os gays não gostam de churrasco” (Cap 18 do “Angústias”). Propus a ele, então, escrevermos juntos, e, em pouco tempo, demos à luz o livro que agora chega ao público. A motivação principal era (e continua sendo, o “Angústias 2” virá) fazer humor com as situações (nem sempre engraçadas) em que nos metemos por sermos gays e urbanos. É, deliberadamente, um livro feito para divertir todos os sexos, sendo os gays o público preferencial. O “Angústias” não é como algumas boites que dizem ser neutras e fazem fortuna às nossas custas. O livro é, SIM, feito para os gays, com o maior dos amores, que é o amor próprio. Os demais sexos só precisam ter senso de humor e algum interesse em nós para se divertirem também. E é bom que se diga que, tendo sido escrito por dois professores universitários, o livro não perde a oportunidade de falar de coisas sérias, sem bandeiras ou academicismos. O número de capítulos (19) tem um porquê: é que o somatório dá 1 (1+9 = 10 / 1+0 = 1), o que sugere a idéia de que as angústias são cíclicas, não se sai delas, a supostamente última remete à primeira, e assim sucessivamente.

* Como é você no dia-a-dia? Quais os seus gostos e no que vc acredita?

Meu dia-a-dia é bastante agitado. Deliciosamente, me divido entre ser professor de lingüística da Universidade Gama Filho, revisor do Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro e consultor de comunicação de algumas empresas. Mais recentemente, descobri a dança como filosofia de vida e hoje invisto o máximo de tempo possível em fazer aulas no Centro de Movimento Deborah Colker, onde dou muito trabalho a bailarinos geniais e pacientes.

Meus gostos, como se vê, passam pelo conhecimento teórico, exercido maximamente na função de professor, e pela consciência corporal. Dança e musculação são a minha religião. A apropriação do corpo de uma maneira mais ampla que a do narcisismo estéril tem sobre mim um enorme impacto psicológico e contribui diretamente para o meu compromisso com a felicidade resultante da expressividade. É no binômino expansão/expressão que eu acredito, e não me canso de buscar recursos para elevá-lo à máxima potência em tudo o que sou e faço.

* De onde veio a escolha do Título? Alguém mais participa neste projeto?

O título nasceu no próprio telefonema entre o Marcelo e mim. Nossa amizade não é fruto do acaso. Pensamos de modo muito parecido sobre uma série de coisas, sobretudo as questões gays. Ambos somos profissionais de letras, professores, cariocas, nascidos em 1977, além de obsessivos e exigentes. Seria impossível para mim escrever um parágrafo sequer com alguém em cujo conhecimento da língua e argúcia eu não acreditasse. Com conhecimento de causa, afirmo que para ele também. Daí o desapego com que um e outro oferecíamos o próprio texto a alterações e até cortes. Foi esse grau de confiança que propiciou um texto a quatro mãos. Não existe nenhum parágrafo do “Angústias” que não tenha o toque dos dois. A co-autoria está também no título e no subtítulo. No tal telefonema, falamos muito sobre a capacidade que as cidades têm de causar angústias, sobretudo no campo amoroso, e me veio inteiro à mente o título “Angústias De Um Gay Urbano”. Chegamos a pensar num outro subtítulo, mas, quando o Marcelo propôs “um livro para TODOS os sexos”, eu topei na hora. Serve para sacanear quem diz “todos os sexos” a sério e para compor o humor que o livro pretende.

* Foi fácil encontrar editor para este trabalho?

Não, não foi. Deixei o livro com uma editora em São Paulo, que pediu 6 meses para dar uma resposta. Tempo demais para quem tem “o álibi de ter nascido ávido”. Deixei com outra, também em São Paulo, que sequer respondeu. Sempre é tempo. Quem sabe se a educação ainda os visitará um dia? Foi uma amiga e ex-aluna, a poeta Alcina Morais, que me sugeriu falar com o Osmar Rodrigues (OR Editor), que havia publicado o livro dela há pouco tempo. Ela não sabia que o livro era, digamos, tão específico, e eu cheguei a ponderar que talvez fosse pouco provável que uma editora que tinha acabado de publicar o “Olho D’Água”, um livro digno de estar na ementa de qualquer curso de poesia brasileira contemporânea, publicasse o nosso. Eu estava enganado. O Osmar recebeu o livro com muita disponibilidade e, dias depois, me ligou dizendo que gostaria de publicá-lo e lançá-lo na Bienal do Livro, o que de fato fez com atenção e dedicação raras nas relações profissionais urbanas.

*Quanto tempo vc levou para concluir a obra?

Começamos a escrever quando nos despedimos ao telefone. Foi um surto! A demanda por escrever sobre como vemos o (des)semelhante e a nós mesmos estava entalada. Em menos de 3 meses, estávamos registrando a criança na Biblioteca Nacional.

* Qual o cerne da publicação? Qual a grande mensagem do livro? Você pode adiantar um aspecto legal desta tua literatura?

Não acho muito bom que um autor oriente a leitura do próprio texto. Mas posso adiantar que o livro não tem nada de fútil. A montanha russa parte da alta literatura e vai até o pop surrado, do puro vernáculo ao palavrãozão, e de repente o leitor é instado a refletir. Só que sem parar, sem perder o pique. Não esqueçam que eu danço e o Marcelo toca piano! A música está na nossa veia. Não é por acaso o número de citações de canções no livro. Passamos a palavra a vários autores que agreguem musicalidade e brilho à nossa narrativa sem censura. O show está montado para os leitores.

* Como vc qualifica o seu livro: ficção, romance, drama, etc…

Pergunta difícil, hein?! Que tal ficção neobarroca-realista-naturalista-contemporânea-gay?

*Você é um escritor engajado em causas sociais? Participa de atividades GLBTs? Fez algum laboratório para criar as personagens ou o enredo da publicação?

Manter alguma sanidade e o compromisso com a luz numa grande cidade como o Rio de Janeiro é uma causa social e tanta! Não esconder minha homossexualidade e exercê-la fora do gueto é a atividade GLBT que mais me atrai. Tenho, como todo professor, alunos gays e lésbicas. Só que os meus vêm a mim confessar que jamais pensavam encontrar espaço para verbalizar a própria homossexualidade de forma tão legitimada quanto a que eu instalo ao verbalizar a minha. Sou apresentado aos respectivos namorados e namoradas com o orgulho e a publicidade das coisas verdadeiras e geradoras de orgulho. Este é meu laboratório para escrever: a vida sem medo, nem culpa. Meu orgulho GLBT dura o ano todo e não tem nada de ficcional.

* Onde pode ser encontrado, e qual a forma das pessoas adquirirem o livro?

Assim como as editoras, os livreiros e as livrarias ainda resistem muito à literatura GLBT. Espero que a figura do Jean altere isso um pouco. As paradas e o gay mais célebre do país estão provando que a atmosfera gay é pacífica e inteligente. Por isso, convido os gays que lêem a verificar se a(s) livraria(s) preferida(s) oferece(m) lugar além do de pagantes para nós. Aviso aos interessados que o site www.oreditor.com estará no ar no final de julho, e finalmente poderemos levar o livro mais longe. Por enquanto, ainda são poucos os espaços onde o “Angústias” pode ser comprado. Alguns deles são a Livraria Cultura (São Paulo e internet) , a 5ª Avenida (São Paulo), a Livraria da Travessa (Rio), as Letras & Expressões (Rio), a Contracapa (Rio) e a Da Conde (Rio). Daí, a importância de eventos como a Feira de Artes do Arouche, onde nós nos conhecemos, Marccelus! Muito obrigado pela gentileza e simpatia!

Contatos com o escritor Janderson Lemos:

janderson.souza@superig.com.br