EVANDRO, O SOBERANO DA FANTASIA LUXO NO BRASIL
O baiano que empolgou o país com as suas ricas criações, Campeoníssimo

Lembrando Evandro
Por Marccelus Bragg
Um flashback. Relembrar Evandro de Castro Lima [29.01.1920 – 24.02.1985] é reverenciar a memória de um impactante homem da Bahia, que fez da sua vida o habitat natural para o luxo e a beleza.

Eternizado como um rei nas passarelas, foi campeão em desfiles de fantasias na categoria luxo por exatos 21 carnavais, entre 1959 até 1985 quando veio a falecer no Rio de Janeiro, de infarto, no dia 24 de fevereiro e em plena folia de Momo. Deixou-nos aos 65 anos de idade e logo após saber que havia conquistado o primeiro lugar num desfile do Clube Naval, com uma indumentária tal um “Pavão Estilizado” fantasia esta intitulada “Tributo a Vaidade”, ou seja, até no seu último suspiro, campeoníssimo.

O nosso ilustre filho da Bahia se jogou de cabeça na criação. Vivenciou cada insight como se fosse este, um fio condutor ao êxtase. E teve Evandro – a mais fantástica glória que o ser humano pode ambicionar – a de não ser um mero coadjuvante da vida. Mas a de ser o ator principal, o diretor e o senhor da sua própria história. Como diz Arnaldo Jabor “”A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche”. Então, como a cortina do “maravilhoso espetáculo Evandro de Castro Lima” continua aberta. E a arte deste “fantasista” é tão imortal quanto o próprio carnaval. Vamos nos dar um presente. E rever a Evandro, a quem Deus convocou ao céu vinte anos atrás.

Surge o Talento
Tudo começou nesta capital, em 1956 e o baile era o do “Galo Vermelho” no tradicional Hotel da Bahia frequentado pela alta sociedade. E Evandro fantasiado de “Ave do Paraíso” chamou a atenção. Era o próprio deslumbre e não passou incólume. A sua presença foi um de frisson geral. E intempestivamente – o ousado – não pensou duas vezes, enfrentou a discriminação com coragem, e naquela folia foi aclamado como o de mais rica e bela fantasia da noite e todos ficaram boquiabertos por se tratar de uma pessoa do sexo masculino. Naquela Salvador provinciana e retógrada, homem que é homem, não se fantasiava. E o pior para os preconceituosos de então é que Evandro deu um show, foi aclamado e ganhou porque a sua fantasia era superior a todas e ele mesmo um “ator” ao desfilá-la.

Bem nascido, Evandro era neto de governador e filho de conceituada familia. Foi revisor da Imprensa Oficial e bacharel em Letras. Foi campeão baiano de natação e de saltos ornamentais. E segundo depoimentos de contemporâneos – Evandro “parecia um artista de Hollywood de tão bonito que era – tinha um rosto expressivo, com lindos olhos verdes e jamais o viram mal trajado. Seus ternos impecáveis reluziam ao sol. Ao transitar pela Rua Chile efervescente ele se destacava das demais pessoas porque tinha um carisma todo especial”. Como ator seu último trabalho na televisão foi na série “O Sétimo Sentido” de Janete Clair em 1982.


E logo no início da sua carreira foi bailarino do corpo de Baile do Teatro Colombo em Buenos Aires chegando a dançar para a primeira dama Evita Peron.. Confessou ser esta realmente a sua grande vocação. E na Bahia comenta-se da sua compainha de dança “Evandro e Sônia” que muito se rivalizou com a do argentino Sozófi no famoso Tabaris da Praça Castro Alves. O certo é que há muita passagem surpreendente a ser relembrada, da vida desta fascinante criatura que foi Evandro de Castro Lima. E são tantas, uma delas sobre a sua fama de briguento, nos diz o presidente do Fã Clube de Emilinha Borba, Ruy Benfica “ eu estava na Cubana, foi logo no início dos anos 60 , saboreando sorvetes com amigos e derrepente passa por entre as mesas o famoso costureiro .

Um gaiato soltou algo do tipo ….Evandro….V….., isto foi o bastante para o ofendido dar meia volta e ir de encontro ao grupo de rapazes e vociferar – quem disse isto? Qual é o mais macho de vocês, levanta aí pra receber porrada. Quem é mais homem aí, levanta que eu quebrar a cara deste covarde que xinga pelas costas… todos ficaram caladérrimos, ninguém teve a coragem de enfrentar Evandro ” , outra coisa à ser lembrada é a de que segundo o próprio costureiro, este recebera uma convocação da Metro para fazer o figurino, em 1967, do filme “A Megera Domada” com Elisabeth Taylor, convite este declinado com muita elegância por Evandro em razão do seu péssimo inglês . O costureiro temia – por conta da dificuldade com o idioma – não se entrosar bem com a equipe técnica do filme.

Então vocês estão vendo que Evandro foi uma pessoa muitíssimo especial. E tem muito mais coisas que ninguém além do próprio Evandro, poderia nos dizer melhor, então vamos as suas palavras, conhecer alguns fatos e o que pensava o saudoso costureiro, o faremos através do Réquien em sua homenagem escrito quando do seu passamento e pelo jornalista Renato Sérgio na Revista Manchete, que nos fará compreender mais e mais do pensamento e da maneira de ser deste inesquecível artista.


Falas do Evandro de Castro Lima:
DR. EVANDRO
“Sou de uma familia onde todos tinham que ter diploma, anel e tudo. Éramos nove irmãos, cinco homens, três moças e eu. Então tive o privilégio de me formar para depois dar o meu grito de independência. Ou morte, não é? E aonde é que ia enfiar aquele canudo de papel, de bacharel? Mas sou Dr. Evandro, sim!”, “Sou descendente de italianos de Florença por parte de mãe e de portuguêses do Porto por parte de pai”, “Meus olhos verdes às vezes são azuis, não sei porque”, “Gosto de indicar direções às pessoas. Dou conselhos e também aceito. Peço até. Se for um bom, sigo à risca ”

COSTURA
“Em matéria de costura sei de um tudo. Desde o tempo dos Egpcios, Idade Média, o século XVIII, tudo, tudo, tudo. Sou um dos poucos que se aprofundou no profissão.” Depois da Argentina, passei para a alta costura no Rio Grande do Sul. Cheguei a conclusão de que este ofício é muito cumplicado, onde estamos fadados a ser mero copistas. Hoje o que há são adaptações, algumas até muito boas.


SOBRE O AMOR
“Eu nunca fui malamado, hein? Muito pelo contrário. Diziam até que eu era um pedaço de mal caminho. Despertei paixões gigantescas. Todas inconfessáveis, mas todas de muito boas recordações. Como diz Menochi del Pichia “ A carícia melhor é aquela que se faz de leve. Que se quer revelar mas não se deve porque perde o sabor quando se fala”. “ Sou muito infiel, gosto de mudar, os aquarianos são extramamente volúveis, sabe?”.

INVENTOR DO TRAMPOLIM NO PORTO DA BARRA
Em 1935 era difícil clube com piscina em Salvador, então mandei fazer um trampolim e coloquei numas pedras que avançavam para o mar, na Barra, em frente ao forte de Santo Antonio. E lá ia eu dar os meus pulinhos, aquela coisa toda. E todo mundo saltava também, o trampolim era meu mas não era uma coisa exclusiva.


GAY
“É apenas uma palavra nova para uma coisa que sempre existiu. Desde que o mundo é mundo né? Então não deve ser uma coisa ruim, porque cada vez tem mais.”, “Assumir agora é muito fácil, queria ver era ser pioneiro naquele tempo.” “…quem chegou achou o caminho desbravado, entendeu? ”, “ Eu tive que muitas vezes sair no braço para ter a minha posição existencial respeitada. Até capoeira aprendi para me defender.”, “Nunca fui de levar desaforo pra casa”, “Ninguém faz profissão de fé, né? Jamais assinei documento jurando fidelidade ao que está escrito na minha carteirinha de identidade quanto ao sexo do portador. Me vejam em minha personalidade e não no meu estado civil.”, “ Até os 18 ou 19 anos eu era uma incógnita. Depois é que as pessoas foram sentido, ninguém é bobo nem nada, né? E essa coisa diferente pintou em mim desde pequeno. Cada um teve o seu caminho. Uma questão genética, talvez, uma questão de compainha, quem sabe? Nem todas as pessoas são iguais, portanto não devemos generalizar. Tem aqueles do caminho duplo os modernamente chamados de bissexuais. O meu caminho acho que foi mais por uma questão estética.” “É uma posição corajosa, ser diferente, não ir com a enxurrada, ser rebanho. É raro alguém chegar a minha idade considerando-se feliz, realizado por ter feito tudo aquilo que gostou e que sempre teve vontade de fazer. Eu fiz.


CHAMAR A ATENÇÃO
“Eu já gostava de chamar a atenção sim, mas sem escândalos, tudo na base da finesse. Os tempos eram outros. E eu, imaginem, em 1935 era considerado super avançado. Hoje sou visto como careta, vejam só!. Ah. Mas eu fazia coisas que ninguém fazia, usava shorts curtíssimos…bem, eu tinha um corpo bonito, um rosto belo e todos sabem disto na Bahia.

SOBRE MARTA ROCHA
“Eu sou uma pessoa realmente privilegiada: carreguei a Marta pequenininha no colo. A beleza dela já vem desde bebê.


EVANDRO BAILARINO
“A minha vocação mesmo era ser bailarino. E dancei, muitos anos, sobretudo fora do Brasil por questões familiares. Eu já tinha uma visão realista da vida, então busquei um lugar em que eu fosse estrangeiro mesmo. Para fazer tudo que eu gostava. E fui do corpo de baile do Teatro Colón em Buenos Aires. Tive, inclusive, uma forcinha da Evita Perón. Foram 18 anos de ballet.


CARNAVAL E DESFILES
Durante os 12 anos em que desfilei no Municipal só perdi duas vezes. Fiquei em segundo lugar..Nunca reclamei. Afinal a gente entra numa disputa para ganhar ou perder. Nunca achei os jurados desonestos. Se pensasse assim não concorreria. A minha primeira folia carioca foi em 1940 – eu tinha vinte anos – visitei a Galeria Cruzeiro, o amarelinho, o vermelhinho, o Café Nice, o Café Bellas Artes, os grandes bailes do High-Life na Rua Santo Amaro”. “A natureza é sabia até certo ponto: as bonecas já deviam nascer emplumadas para que as aves fossem poupadas”. Sou carnavalesco desde pequenininho, quando bastante jóvem saia nos Fantoches da Euterpe com as moças de familia, nós os rapazes saíamos de centuriões ou guardas fenícios. Cheguei a pedido da direção do Clube decorar os carros alegóricos e a trabalhar na vestimenta dos desfilantes. Elevei a agremiação ao primeiro lugar em algumas disputas carnavalescas. Agora que sou crescidinho faço outras coisas. É preciso ter um preparo físico danado para carregar estas roupagens tão pesadas e complicadas. Há que ter um pouco de sobriedade aliada a elegância, alé de charme é claro. Você não pode exagerar. Ser um pouco teatral sim, mas só um poquinho. Para por exemplo ter a expressão de um Maurício de Nassau no qual está fantasiado, você tem que pensar como um príncipe. Interpretar. Aliás, eu já fiz isso com tarimba e competência.

UMA DÍVIDA BAIANA
“Aproveito e cobro uma dívida que a Bahia tem comigo. Andei sabendo que botaram ruas lá com os nomes de Caetano, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, artistas baianos, mas não colocaram o meu. Espero que eles se lembrem que sou artista também.” . O Rio lhe fez esta homenagem batisando uma Rua no Recreio dos Bandeirantes com o seu nome.

Sobre a rivalidade entre Clóvis e Evandro:

“…profissionalmente Evandro abrilhantou o carnaval carioca nos últimos 25 anos [1985] com uma magia extraordinária de luxo e arte. Éramos rivais sim. Tivemos brigas. Ele chegou a quebrar uma garrafa na minha cabeça após um desfile. Nós mantínhamos uma disputa artística que começou mais ou menos em 1965 quando começou a profissionalização do Evandro. …Só que eu credito as nossa divergência a muita intriga feita por pessoas que cercavam o Evandro e que o bajulava. Ele era muito paparicado por interesseiros que precisavam da sua etiqueta, simpatia e amizade para aparecer…cheguei a vestir duas ou três fantasias feitas por ele…Evandro era muito sensível mas também muito temperamental. No convívio pessoal era alegre, divertido e muito simpático. Ele adorava contar casos do seu tempo de Bahia e de quando fora bailarino clássico em Buenos Aires….Evandro deu uma contribuição de luxo ao carnaval seguindo uma evolução porque ele não parou no tempo…”
Clóvis Bornay

ÚLTIMO ADEUS:
Evandro foi sepultado no cemitério São João Batista – sep. 712 Q.22 – e na sua despedida compareceram ao velório na Capela Real Grandeza os artistas e amigos, Rogéria, Marlene Paiva, Wilza Carla, Roberto Ribeiro, Clóvis Bornay, Eloy Machado, Miriam Pérsia, Mauro Rosas, Moacir Deriquem, Paulo Varelho, alguns primos e sobrinhos.

