Divina Valéria, a mais internacional das nossas travestis

Divina Valéria, a mais internacional das nossas travestis, com exclusividade ao Marccelus Portal fala da sua participação no longa metragem ” Cidade Baixa” do diretor Sérgio Machado. Em entrevista a Marccelus Bragg em Salvador , esta artista do grande sucesso “Ema Toma Blues” revela a sua “insustentável leveza do ser” e deixa claro ” sou uma atriz e cantora, ser travesti é apenas um detalhe de Deus”.

A Divina Valéria

Valéria, você é realmente uma pessoa vitoriosa?  

Claro, todos os dias dou uma grande gargalhada contra o preconceito e os dissabores da minha condição de travesti. Sou vitoriosa sim, passei pela Ditadura militar quando ser gay era sinônimo de prisão e humilhação pública. Vim do “Lês Girls” onde contracenei com Lennie Dale e Rogéria em 1964. Depois cantei e atuei nas mais importantes e famosas casas de Shows do mundo, como Corrousel e Moulin Rouge de Paris e conhecidos Casinos de Buenos Aires e Punta Del Este. Lá se vão 40 anos de palco. Passou a repressão e eu fiquei. Talento e auto-estima para mim são essenciais. Hoje vivo uma temporada baiana. Tenho amor à Bahia e muitos amigos.

Wagner Moura, Alice Braga, Divina Valéria e Lázaro Ramos

Quais as suas mais recentes atuações…esta magia da Bahia lhe contagiou?  

A Bahia é de todos nós. Duvido muito que existam brasileiros que não sintam Salvador um pouco como uma segunda pátria. Aqui a diversidade impera e a sensação que temos é que estamos realmente na “Roma Negra” como diz Caetano Veloso. Sempre vim pra Bahia nos carnavais, fui durante muitos anos a Rainha do Bloco do Jacu e em cima dos trios elétricos dos anos 70 me sentia eletrizando a massa. Tenho saudades daqueles bons tempos. Agora à convite da dramaturga Aninha Franco fui titular da temporada “Ema Toma Blues” espetáculo feito especialmente pra mim pelo diretor de teatro Paulo Dourado. No Teatro XVIII ficamos com casa cheia todos os dias e por meses ininterruptos. O povo se identifica um pouco com este espetáculo. Canto coisas lindas, boleros fascinantes, revivo cantando no palco Marlene, Ângela Maria e Dalva de Oliveira. O pano de fundo não podia ser outro, vivo o personagem Ema, uma mulher reprimida pela autoridade paterna. “Ema nasceu pra cantar e não para ser uma humilde normalista”. A platéia vibra com o apogeu e a queda de Ema. São duas horas de muita emoção . Agora o meu negócio é cinema.

Divina Valéria e Lázaro Ramos

Está sendo bom contracenar com Lázaro Ramos?  

Pra mim tem sido uma experiência nova. Cinema é uma expressão à parte. Leituras de tempo, de movimento e de espaço são muito especiais nesta sétima arte . E confesso que me intimidei num primeiro momento, mas o diretor Sérgio Machado me fez ficar à vontade. Tive o incentivo do Lázaro Ramos, que no set de filmagens era todo carinho e atenção para comigo. Com tomadas em Salvador, Cachoeira e Camamú este longa metragem é uma ode a Bahia.Leva a assinatura da Produtora Salles, com Walter Sales tudo vira profissionalismo, sucesso e respeito. Todos sabem. Assistimos uma Bahia das paixões arrebatadoras e dos sentimentos desenfreados. Sou no filme a Zilú, um travesti respeitado e dona do Bordel Xanadu em que uma das “meninas” é a atriz Alice Braga, sobrinha da Sônia Braga que faz o papel de Karina. Promete muito este filme e vamos ver como se comportará público quando da sua estréia no final do ano.

Di Cavalcanti e Valéria

É verdadeira a história de que você e a Marina Montini foram as musas do Di Cavalcanti?

A Montini sim, mulata linda que até hoje abala onde chega. Eu não cheguei a ser musa, mas com absoluta certeza fui a única travesti retratada por Di Cavalcanti. Este expoente da pintura modernista do Brasil era um gentleman. Sempre estava cercado de lindas mulheres e de gente que gostava de rir. O Di era um homem de muito bom humor.  Marccelus: O ” Ema Toma Blues” é um espetáculo para os demais estados do Brasil apreciar? É itinerante? Divina Valéria: Claro que sim. Estou terminando de fazer uns Shows, compromissos assumidos com a produção do Pelourinho Dia e Noite, onde me apresento cantando músicas da MPB e Edit Piaf no Largo Quincas Berro d’Agua, vou ao interior da Bahia levar ao público de Juazerio o “Ema Toma Blues” e logo após faço uma semana em Buenos Aires e Montevideo e finalmente, Rio e São Paulo até o meu retorno à Paris em outubro próximo.

Divina Valéria e Marccelus

Pra finalizar, vale à pena ser Gay?  

Hoje em dia, com a maior visibilidade que tem as pessoas gays e lésbicas e com a promulgação de leis mais protetoras aos direitos humanos desses cidadãos vale à pena sim. O caminho, a parte difícil e árdua foi aberto por nós, travestis e gays assumidos de gerações passadas que tatuamos na alma as tantas adversidades sofridas. Hoje sim está bem mais fácil ser gay. E depois, as palavras da nova ordem social são “diversidade e respeito” só pelas mesmas vale qualquer sacrifício na vida. Falando assim parece que tudo já foi feito, que já conseguimos muito né? Acho que não. Penso por exemplo em quantas trans sofrem por não ter uma cédula de identidade com o nome que optaram por ter. Quantos constrangimentos lhes poupariam se o estado lhes reconhecesse esse mínimo direito. Enfim…

Como encontrar a Divina Valéria?  

Agora que tudo está ao alcance de um mouse, estou perto de vocês e me achar está super fácil, visitem a minha página [www.divinavaleria.cjb.net] e me deixem um recadinho, nada fica sem resposta. Muito obrigado a você Marccelus . Beijos em todos.

Confira mais fotos: