Mataram o Cari – 13 anos sem ele

Lazaro Caribé “Cari”, um coiffeur no céu

Saudades do Talentoso Cari

Por Marccelus Bragg

No domingo – dia 12 de dezembro de 1993 – toda a Mariquita se cobriu de luto. Em pleno Rio Vermelho, as portas do Salão de Beleza Cari Maquillage et Coiffeur, à rua Borges dos Reis, 164, encerrava um hediondo crime. No seu interior, uma triste e lamentável cena. Um dos nossos mais elegantes profissionais da beleza, o cabeleireiro Lázaro Sena Caribé, carinhosamente conhecido como “Cari” havia sido brutalmente assassinado.

O corpo foi descoberto por duas auxiliares, que estranhando o atraso do patrão, sempre pontualíssimo e responsável ao assumir compromissos, e principalmente, pelo adiantando das horas, e por ele não ter dado notícias, resolveram ir à sua procura.

A ausência do coiffeur estava sendo bastante reclamada por uma noiva, que naquele momento deveria estar sendo embelezada para os esponsais. Então, as duas apreensivas mulheres, subiram ao andar de cima do salão onde residia Cari e se depararam, com um cenário de sofrimento e dor. O seu corpo, despido e estrangulado – com um fio de luz, um cinto e enrolado com uma corda de lençol lhe espremendo o pescoço, jazia inerte sobre a cama. A púrpura do mal assomou-se à penumbra. E em meio a uma poça de sangue, findou-se uma rica e exuberante existência. O Coiffeur recebera, dentre outras perfurações, um golpe mortal à faca no coração.

Daquela hora em diante uma consciência coletiva se paralizou. De início muita gente não acreditou, achou que fosse boato. Mas quem teria feito tamanha crueldade? Porque meu Deus, alguém seria capaz de fazer desaparecer, uma criatura tão cheia de presença e de alegria de viver? A revolta e a dor, foram os sentimentos comuns.

A má notícia correu depressa. E logo, todos souberam da irreversível tragédia.

Quem foi “Cari”

O saudoso e querido maquiador foi morto aos quarenta anos, e pelo menos, metade do tempo desta sua curta vida, foi gasto em razão do próprio aprimoramento profissional. Lázaro Sena Caribé, naquele começo da década de noventa, era o “must” , muito conhecido, o super paparicado e o mais celebrado coiffeur da cidade. Estava no auge da carreira – convites lhes chegavam aos montes – tinha sempre a agenda cheia e lhe faltavam horários, para tantas festas e recepções, e não eram só chamados para incursões mundadas, pelo contrário, era muita labuta também. Uma lide incansável do talentoso Cari.

Quase todas as socialites da terra queriam ser penteadas ou, no mínimo, terem uma opinião do Cari sobre aquela maquiagem adequada. Uma coisa é certa. Todos o sabiam obcecado pelo trabalho. Autodidata, começou aos 16 anos enfeitando as irmãs e incentivado pela atriz Lia Mara, a sua professora de teatro, resolveu deixar o curso profissionalizante em Pontes e Estradas da Escola Técnica , e foi de encontro a sua realização pessoal, o sonho de ser cabeleireiro. Um eldorado de bobs, passarelas, espelhos,secadores, escovas e laquês, onde ao leve toque dos dedos, nasceriam tesouros mesclados á esmaltes, pós, bases e batons….

Se esforçou muito para aprender de tudo, não havia segredos ou um “pulo do gato” escondido . A sua curiosidade em cabelo e maquiagem o levou ao então luxuoso e requintado “ Salão Severiano”, cujo titular, vendo-lhe tão “menino ainda” e com tamanha garra e talento, não pensou duas vezes, deu-lhe a chance do primeiro emprego. Este foi só o começo, porque anos mais tarde Cari chegaria à ser diplomado no gênero internacionalmente, podendo ensinar até na França, como professor pela Federação Franco Brasileira de Estética e Cosmetologia. Mas não pensem que Cari se tornou um cabeleireiro convencional, pelo contrario, ele mesmo se definia como um “visagista”.

O “visagista” Cari

Especialista em maquilage, preferia ver a mulher e estudá-la como um todo, o tratamento determinado para pele era para o próprio, digamos uma peça fundamental, antes do embelezamento final. Nas constantes viagens ao velho mundo, observou bastante. Maquilagem definitiva, aquela do tipo tatuagem, que salienta as maçãs rosto, contorno dos lábios e valorização dos olhos foram algumas das novidades do seu salão, e quanto a qualidade dos materiais, Cari era crítico, “como as mulheres daqui conseguem se maquiar com esses pincéis nacionais, sintéticos e duros, os meus, trago da Europa, e são feitos de pelos de marta e arminho”.

Impossível passar despercebido

A figura do Lázaro Caribé é inesquecível. Esguiu e alto, jamais fora visto mal vestido ou muito menos desarrumado. Nascido à 15 de maio, tinha à seu favor a genial bondade. Sempre humano e de coração bom, não perdia oportunidade para fazer o bem. Acostumado a muitos presentes no niver, certa feita determinou, “por favor, este ano não vou comemorar meu aniversário, mas quem se lembrar de mim, tragam leite em pó e lençóis, a creche São Lázaro está por demais necessitada”.

A clientela do Cari era formada por gente abastada, políticos, artistas, modelos e socialites. Ele próprio, diga-se de passagem, descendia dos aristocráticos “Araújo Pinho” , genealogia de primeira e ligada as origens do baronato baiano. Portanto, se dependesse da familia, Cari teria sido médico e jamais cabeleireiro.

Locomotiva de festas e eventos, com o seu nome pipocando todos os dias nas colunas sociais, foi Cari, para várias mulheres famosas, aquele “amigo inseparável”. Eu mesmo o conheci, de pés descalços com uma tornozeleira repleta de balangandãs, no rítmo da baianidade, vestido de branco e fantasiado de Oxalá, repleto de penduricalhos reluzentes na subida da Chile. Sorrindo, distribuindo beijos e brincando num dos muitos carnavais da Castro Alves, e quase siamês e inseparável, à preciosa de Paco Rabanne, a modelo Raimunda da Liberdade, atual Condessa Luana de Noilles. Como relata uma das suas clientes “ Cari tinha incrível facilidade de transformar as feinhas em engraçadinhas, as engraçadinhas em bonitinhas, as bonitinhas em bonitas, as bonitas em lindas e as lindas em rainhas”.

Um ilustre filho do Rio Vermelho

Ele significava o bairro do Rio Vermelho, visto constamente nos barzinhos e junto aos pescadores do Largo da Mariquita. Apegado as tradições Cari não perdia uma boa festa. Fosse ela um carnaval pé no chão ou as de chiquê absoluto. Devoto de Yemanjá, sempre foi um dos primeiros a chegar na pedra da sereia para depositar, na casa do peso, o seu balaio de presentes à Mãe D’água .

Prestando uma homenagem póstuma ao amigo falecido, o colunista social Jacques Bouvoir desabafou “ A gente não consegue acreditar que Cari esteja morto. Principalmente pela forma como aconteceu. Violência nunca combinou com o maior fazedor de beleza de Salvador. Trabalho, dedicação e muito talento marcaram sempre a personalidade do maquiador e cabeleireiro Lázaro Sena Caribé, o sempre doce e meigo Cari. Seu trabalho trilhou desde o embelezamento da socialite da terra às passarelas da moda, passando pelos shows e palcos mais importantes da cidade. Um rastro de luz, beleza, amizade e muito brilho foi a herança deixada por um dos mais competentes artistas da Bahia”.

Mas infelizmente Cari não está mais entre nós. Só nos resta a saudade e as boas recordações que nos deixou. No firmamento agora e quem sabe, tornando mais linda a sua mãe Yemanjá, ele tenha se tornado uma divindade também. Creio que a sua essência paira no ar e que transita onipresente, sem um tal corpo que apodreça e que morra. Ele flutua pelas ruas da cidade e que do alto, nos assiste. De um patamar mais alto, a nós, que ainda estamos aqui e teimamos diariamente em sobreviver.

Finalizando.

Numa ação competente da polícia, a menos de doze horas do ocorrido, foi preso o cidadão Benício Rodrigues Mota Jr, à época desempregado e com 23 anos, que confessou ter assassinado o cabeleireiro.

Mais fotos que relatam o ocorrido à época do crime:

Todo o conteúdo desta matéria baseou-se na mídia da época – nos jornais locais e revistas – do período de 13 à 19/12/1993.