Eunuco, uma divindade!

Acho que a imagem mais corrente do que seja um eunuco é aquela dos filmes da TV, em que “homens vestidos à moda oriental abanavam mulheres entediadas em haréns”. Pois bem, o ser eunuco possui além de um lado lúdico, uma existência peculiar, senão fantástica, pelo menos curiosa. São seres humanos que sempre interagiram com o seu meio social. Estão na história e nos primórdios de antigas e grandes civilizações. Sobreviveram ao tempo e as mudanças de costumes. E são tantas as fantasias acerca destas criaturas que nos deparamos agora – em pleno século XXI – com uma realidade bem moderna e atual do que seja realmente um eunuco. Aqueles que se fizeram eunucos “por gosto e convicção”, como por exemplo o americano Tom. Um homem bem estruturado e maduro que em 1998 deu fim as genitálias e se converteu numa espécie de ícone desta transformação corpórea.

O exemplo de um Eunuco moderno

Em primeiro lugar, eunuco seria, segundo a consulta a um dicionário, um homem castrado. De várias maneiras e à depender da cultura de uma determinada sociedade, as idades para a castração, as razões e os motivos dos são os mais variados e a forma – se castração total ou parcial – remoção ou esmagamento dos testículos ou a retirada do próprio pênis, tudo isto tem as suas peculiaridades eseria omotivo de um capítulo à parte. Porque na história e nos costumes de várias civilizações o caráter “exótico” do eunuco é algo imprescindível para o seu entendimento. Por suposto, tal prática está longe , em alguns casos, de se relacionar com a impotência total. Em situações distintas, tais personagens inclusive foram objetos de prazer. Muitos tinham até bem desenvolvida uma libido toda especial. Seriam portadores de semi ereções, etc…

Uma das nossas maiores curiosidades se relaciona a aceitação social desta prática. Hoje em dia, dados os “eunucos modernos” e para quem procura tais serviços em clínicas de países que realizam tais cirurgias. Eu me pergunto. Até onde vai o domínio e o direito do indivíduo sobre o próprio corpo? O que pensa os organismos médicos, o sistema e os legisladores, desta intervenção tão transformadora e irreversível no existir de uma pessoa. Abrir mão – de livre e expontânea vontade – dos seus órgãos genitais. Se tornarem eunucos voluntários em função de um prazer pessoal. Enfim, a sexualidade humana é muito complexa e são tantas as vertentes e os questionamentos nesta espécie de mutilação, que somente num rápido texto seria impossível se obter as respostas. É surpreendente como em sociedades avançadas esta prática avança em meio ao silêncio e ao pouco estardalhaço. O que pode ser questionado por alguns como uma estravagância de gente endinheirada e sem problemas, se contradiz frente ao que ocorre em outros países em que pessoas vivem na quase penúria, como a India e o Paquistão. Alí tornam-se eunucos por crença e convicção.

E em se tratando da Bíblia, talvez a mais conhecida referência a tais pessoas, seja a conversão do eunuco chefe da rainha Candance, por São Felipe, cujo sacramento do batismo, ministrado a esta criatura de curiosa situação sexual veio à ser uma dádiva maior do espírito santo. Acima de tudo, uma lição à Igreja atual, da não exclusão de quem quer que seja, enfim, é uma contundente página da exegese cristã.

Mas esta com certeza não se trata da mais antiga notícia de eunucos na história da humanidade. Estes seres povoaram o Egito antigo demais paises asiáticos, em especial nos reportamos a China que chegou até a ter um imperador eunuco. Muitas imagens de eunucos chineses em finais do séc. XIX e começo do XX foram feitas por estrangeiros e na corte da dinastia Manchu, a última a reinar absoluta antes da deposição. Daí as reais fotos da Imperatriz Dowager Tzu Hsi “ cercada por estes castrados auxiliares. Quem assistiu ao filme “O último Imperador” de Bernardo Bertolucci, ganhador de sete Oscars inclusive o de melhor filme em 1987, viu a cena – um monte de homens chorosos e desesperados carregando caixas decoradas em cujo interior armazenavam os seus órgãos decepados, as suas preciosas relíquias, quando da expulsão desta legião de servos da cidade proíbida. No século XVI este grande palácio imperial chegou a ter uma população de 20 mil eunucos. Sendo que o último deles Sun Yaoting castrado em 1911, morreu em 1996, aos 93 anos de idade.

O cinema também imortalizou Farinelli, um dos tantos “castratis” e os meninos das vozes em soprano que nos coros das Igrejas atigiam a notas musicais preciosíssimas. Afinal, a serviço do canto em louvor a Deus, muitas crianças do sexo masculino eram levadas por seus pais à castração e enviadas depois aos templos católicos para o ofício divino. A prática durou até 1878 quando o Papa Leão XIII a aboliu.

Farinelli o castrado do belo canto

Já as Hirjas da India e do Paquistão, uma população espalhada por todos os cantos de “nem homens nem mulheres” estimada em algumas centenas de milhares é uma realidade nua e crua do “diferente” na luta pela sobrevivência.

Hirjas em um velório
Uma Hirja muito feliz

O que antes sempre existiu – nos costumes e nas crenças – desta grande nação indiana, um país com intercursos entre a pobreza e a riqueza e as divindades locais, sempre abençoaram, atualmente passa por grandes dificuldades. É toda uma população vítima do estigma da AIDS – sofrem o preconceito – e passam, além de serem alvo de campanhas de prevenção das DSTs, a enxergarem na organização política, uma das saídas para tentar solucionar uma grande parte dos seus problemas. Daí a existência de eunucos indianos que foram eleitos para o parlamento ou para cargos do executivo e a bandeira é única: respeito ao nosso direito de ser o que somos!

Nem todas as Hijras mutilam os órgãos genitais, há informações de que homens portadores de algum tipo de disfunção erétil passam a a condição de Hirjas para que, em suas futuras reencarnações, a Deusa Shiva lhes assegure a virilidade perdida. Contudo fica difícil não se reconhecer uma Hirja, andam em grupos e marcam presença,são visíveis, isto ninguém pode negar. Em velórios, nascimentos e casamentos lá chegam elas, de surpresa – em festas e com as suas danças extremamente sensuais e lascivas – vem em busca de uma espécie de pedágio, um pagamento em dinheiro, roupas ou comida! Desagradar uma Hirja é um mal presságio e o troco é uma praga na certa. Ser excomungado por uma Hirja significa uma desgraça que ninguém gostaria de enfrentar. Elas costumam viver todas juntas numa casa, dividindo o mesmo teto e sob a liderança de um eunuco mais velho ou da hirja determinante na hegemonia da casta. A prostituição é notada em algumas comunidades de Hirjas.

Um eunuco que saiu da história para as telas do cinema, foi o envolvente Bágoas, um dançarino castrado interpretado no filme “Alexandre, o Grande” do diretor Oliver Stone pelo ator e bailarino espanhol Francisco Bosch. Desde menino Bágoas foi entregue a corte persa para servir no harém e já tinha sido, antes do tórrido romance com o conquistador da Macedônia, o cortesão favorito e eunuco preferido do rei Dário da Pérsia. Bágoas exerceu grande influência junto ao poderoso Alexandre a ponto de desgostar muitos dos seus generais.

Já no campo do que pode parecer bizarrice para alguns curtos de idéias, há um trato novo desta prática na América. Homens americanos estão aderindo voluntariamente a retirada da própria genitália. As razões para fazê-lo? Bom, cada qual tem a sua. Contudo, segundo o que a gente pode entender fazendo esta pesquisa é que toda a decisão da castração passa por algo fundamental, que é o direito do cidadão sobre o seu próprio corpo.

Daí que as mudanças corporais tem, nos ultimos anos, alavancado uma série de novos perfis humanos. Gente incomum. Novos orifícios, próteses, piercings, tatuagens, cores, mudanças as vezes radicais que envolvem inclusive os órgãos genitais. Primeiro, quem se habilita a tal cirurgia, supomos que se cercam de cuidados médicos. Não são como os ancestrais eunucos chineses, que castrados na mais tenra idade, padeciam dos processos da cicatrização com emplastos de betume nos orifícios mutilados e proibidos de beber água por longos dias e no final, água em abundância para fazer explodir o canal da uretra. Situação a que muitos não resitiam e vinham a falecer.

Já os modernos eunucos tem o psicológico preparado para assumir a irreversibilidade do ato. Escolhem clínicas – aquelas de paises cuja legislação não obstaculiza tais operações – se informam dos processos urológicos, hormonais e de prevenção da osteoporises e partem para a retirada total do escroto e do pênis, ou tão somente das bolas. Tom e Gelding são dois exemplos de eunucos modernos. Ambos são encontrados em endereços na web e disponibilizam, passo à passo, todas as informações a respeito da cirurgia e dos processos que os levaram a emasculação. Ao contrário de Gelding – um dos personagens do documentário “ Os Eunucos da América” que ainda mantém o seu “pingolim” – Tom foi mais radical e retirou de vez a bolsa escrotal e o penis, e responde rotineiramente, num blog atualizado as perguntas dos internautas a respeito desta sua decisão e as consequências da mutilação sobre o corpo e a mente.

O assunto é vasto. Polêmico e diz respeito a liberdade de escolha do ser humano. O livre arbítrio de entender o seu corpo como um elemento transfomador. O envólucro das suas idéias e das concepções pessoais. Motivo de prazer e de realização. Afinal cada qual “sabe a delícia e a dor de ser o que é”. Quem quiser se aprofundar mais e conhecer os pormenores desta prática, a rede mundial de computadores disponibiliza uma vasta biblioteca sobre o tema.