Lavando a alma no Bonfim
Ou em busca de Oxalá ou querendo o Senhor do Bonfim no coração, fôlego não faltou para quem desejou homenagear a divindade católica ou a do candomblé. E oito quilômetros de percurso da Igreja da Conceição da Praia até a Basílica Sagrada do Senhor do Bonfim foram percorridos – por devotos e turistas – numa boa.

É a maior movimentação de pessoas em torno do que se chama na Bahia de “Festas Populares” e o apelo religioso é forte. Tanto que dias antes se processa todo um ritual místico, se na fé católica a sé maior é lotada pela comunidade apostólica em torno da tradicional “Novena do Bonfim”, na fé africana, ressoam nos terreiros de candomblé os atabaques e o “viva a Oxalá” são ouvidos. As baianas se antecedem no ofício e águas-de-cheiro são preparadas às quantidades para dar o toque santo e purificador aos tantos pedintes e sedentos da boa sorte e da ajuda do Orixá maior.


E não há quem resista, ao ver uma baiana do Bonfim, que não lhe peça um pouco desta água milagrosa. O toque do precioso líquido é como um crisma libertador dos malefícios. O forte da coisa é ter fé.

Sempre na segunda quinta-feira de janeiro, esta festa da Lavagem do Bonfim, que este ano aconteceu sob um sol de 35 graus, funciona também como uma prévia do carnaval. O lado profano encanta muita gente e principalmente aos turistas. Rola de tudo no trajeto Conceição da Praia-Colina Sagrada. Trios Elétricos de grande porte não vão, mas sons de toda ordem são improvisados. Blocos e equipamentos sonoros sob veículos pequenos ou puxados por pessoas ou animais, eram os que mais se viam na Lavagem.

A Bahia tem um povo musical e não é bobagem quando se diz: “Na Bahia não se nasce, se estréia”. Há um artista nato no soteropolitano desta Roma Negra. Ficar de fora da nação Bahia é deixar uma lacuna enorme no coração. Pensa nisto e reflita com João Gilberto “Dá licença de rezar pro Senhor do Bonfim. Salve! A Santa Bahia imortal, Bahia dos sonhos mil! Eu fico contente da vida em saber que a Bahía é Brasil!”


Um evento singular como este é a cara da Bahia. Políticos, religiosos, turistas e o povo da terra se misturam. Quem pode pagar mais caro teve uma opção legal o “Bonfim Ligth na Marina da avenida Contorno”, mas não faltou descontração para o povão, que nas barracas se deliciavam com som de graça e comidas a preços módicos e muita bebida a custos razoáveis.

Um fato curioso que aconteceu na Lavagem este ano foi uma profusão de “Bell Marques”. Nunca vi tantos covers do vocalista da Banda Chiclete juntos. Em cada esquina ou numa charanga qualquer, lá tinha um Bell agitando a galera. Os sósias faziam sucesso. Alguns muito parecidos e que chegavam a confundir os incautos. Bom, “quem não tem cão vai com gato mesmo”. O que deve ser um prazer enorme pro Bell verdadeiro, ter tantos fãs que lhe dedicam este carinho. Eu adoro o Bell e pra mim posar com um deles já foi uma satisfação pessoal muito grande. Só não pedi o autógrafo, porque aí seria demais né?

Já falando na gente que acontece nesta espécie de evento, encontrei Davi Aranha, o nosso “arroz de festa de festas GLS” com um grupo animadinhos sabe onde? Num ponto histórico a poucos metros da Basílica do Bonfim, numa das Casas dos Romeiros – hoje transformadas em residências e fazendo a maior auê. Lá estavam os vips da moda e das artes. E antes de falar no point do fundo do Hospital Sagrada Família – maior concentração Gay por metro quadrado da Colina Santa – registro que na Praça Conde dos Arcos no Comércio e em frente ao INSS, já pelo terceiro ano consecutivo a galera monta um esquema super divertido – aberto, grátis e com música ao vivo e o “ficar” é lei. O detalhe curioso é que os “quarentões” do tipo nórdicos predominam. Mas voltando ao reduto Gay da Sagrada Família no Bonfim – o cenário natural mais antenado daquelas bandas – os tipos mais diversos marcaram presença. Desde intelectuais, promoters, artistas, travestis, turistas, pais de santo, gatinhos se descobrindo gays e casais de lésbicas, todos e todas eram de uma alegria contagiante.

Acho que depois que a Prefeitura fez uma oportuna reforma no local, tornando mais ampla e higienizando a praça, tudo ficou mais cômodo e confortável. Até facilitou em muito a pegação, pois estando num patamar mais alto “quem está caçando não erra o alvo”, com menos barracas comerciais no local, as pessoas são mais vistas, aparecem mais e circulam desenvoltas, prontas para o assédio natural. Para os exibicionistas então, o fundo do Hospital Sagrada Família é um prato cheio. Enfim, vejo, contrariando os tantos saudosistas que preferem o “antigamente era assim” como a melhor solução, que há um renascimento do point como o de tradicional expressão gay e não vai acabar nunca. Chegando ao Bonfim todos correm pra lá. Quem quer ficar sozinho? Os que foram pagar promessa é claro!


Logo mais teremos a Festa de Yemanjá no Rio Vermelho – dia 02 de fevereiro e no calendário oficial da cidade, já bastante próxima ao Carnaval e haja fôlego pra tanta alegria nesta Bahia. A mesma Bahia abençoada pelo Senhor do Bonfim e sob as graça do pai Oxalá. É uma bênção viver aqui e o passaporte? É se tornar baiano também. Um privilégio que qualquer brasileiro ou estrangeiro pode ter, não pensem duas vezes, a Bahia os espera!

Confira a galeria completa da Lavagem do Bonfim:
