Gilmar Tavares

O Armador dos Orixás. A arte das armas e atributos dos Deuses.

Por Marccelus Bragg

Carlito Marron para os de fora, mas o Carlinhos Brown da velha Bahia. É ele, a irreverência, quem faz a brilhante apresentação do artista amigo “Gilmar Tavares Conceição”. Vem pela frente um trocadilho de palavras e que na poesia do Brown, elucida a super arte deste ferramenteiro dos deuses, e o recado é só um: “Não precisamos dizer que o candomblé aqui é diferente da África, porque é. Acreditamos que na época da opressão, pessoas oriundas da nação Yorubá escondiam elegantemente as suas contas e kelês, mas preservando em si uma forma inconsciente de ser brasileiro e religioso. Nada nos faz esquecer as cores dos nossos orixás, nem jesuítas afoitos, nem cúpulas de igrejas douradas. O resultado desta compreensão encontra-se em lutiers, artesões, músicos e artistas plásticos onde com traços primitivos e particulares encontramos Gilmar Tavares Conceição. Tavares foi um dos maiores grupos de soul music dos anos setenta. Conceição é Oxum e mora na beira do mar junto ao Mercado Modelo, e, dentro dessa visão prata, há armadura para todos. E todos agradecem a Gil, ao Mar e seu martelo.”

Vem do imaginário infantil essa sua vocação para o designer sacro?

O sagrado na minha vida se misturou ao lúdico infantil. Ouvi desde cedo, as toadas e as cantigas dos orixás à minha cabeceira. Diz a minha mãe, que ao me ninar, a minha avó passava todo o tempo me embalando ao som dessas pérolas africanas. Como também, pela longa convivência com a matriarca da nossa familia, aprendi muito do respeito e do carinho que tenho hoje pelas “coisas dos santos” pela cultura dos Orixás. As minhas idas ao Dique do Tororó ou a Lagoa do Abaeté, acompanhando aquela devota senhora no arreio das suas obrigações e devoções sacerdotais, fez surgir em mim o sentimento de orgulho à minha crença e por suposto também, a inspiração do que viria à ser no futuro a minha arte em particular. Outra coisa que pulsava a minha imaginação e que seguramente utililizo bastante no cotidiano do meu trabalho, é a visão hiper-realista da mescla de tons, no fundo dos tachos, dos doces que a minha mãe fazia. Aquelas formas e a variedade de tons me deliciavam. Creio que por toda esta gama de cor, forma, cheiro e beleza o chamado a arte foi uma imposição do destino mesmo. Tudo isto foi uma sedução e trabalhar com as mãos, dar forma e vida ao imaterial é fascinante.

O artista e uma das suas criações

Esta identificação com o candomblé é real?

Sim, sou filho de Oxalufã com Oxum, “feito” no santo há vinte anos e, com enorme satisfação e muita gratidão a divindade, por trinta anos da minha vida, tenho sido o “Urejí” , um Pejigã [sacerdote] de Omolú. Atualmente me vinculo ao Terreiro Tingongo Muendi, Angola que se localiza no bairro de Cajazeiras. A minha melhor face é pedir a inspiração, a licensa do criar aos deuses. Quando pretendo fazer uma peça ou um grupo de elementos artísticos que pertençam a um determinado orixá, fecho meus olhos, me coloco em sintonia com a entidade e deixo fluir a imaginação. Estejam seguros, de posse deste rápido ritual, nasce em seguida respeitáveis objetos, obras impares. Sinceramente, não abro mão deste contato, para mim “crença e arte” são irmãs! Caminham juntas e inseparáveis.

Lembro da Gessy Gesse usando criações suas. A sua arte é pra todo mundo?

É lindo recordar não? Foi um espetáculo ver a nossa fantástica atriz Gessy Gesse como a Oxum naqueles bailes inesquecíveis no Othon Pálace. Mas faço um trabalho que tem duas vertentes muito nítidas. Uma que é a confecção de objetos, armas, atributos e complementos da indumentária dos orixás para quem necessita das mesmas, para os trãmites, nos rituais e nos ofícios do candomblé. E outra a que seria, a arte mais descompromissada, de inspiração nos elementos africanos, mas cuja a finalidade seria a utilitária ou a decorativa, ou mesmo para compor figurinos, cenários ou instalações temáticas. Portanto, a minha arte é pra todo mundo e para muitas finalidades. Desde que haja uma identificação estética com as minhas peças, não existe barreiras à sua expansão ou exposição.

O reflexo do artista no Abebé de Oxum

Quais os materiais e quais os tipos de objetos que você cria?

Latão, bronze ou cobre chapados. Materiais mais nobres são usados na foliação, tipo ouro, prata ou grafite, estes mais para as encomendas. O que fabrico na verdade são adereços e armas dos orixás. Nunca fujo da ética , nem das normas e do respeito exigido nesta prática. É mais ou menos uma operação fidedigna, é se criar com o intuíto de se preservar a tradição e a cultura do candomblé. Mas saliento também que faço trabalhos em juta, contas e búzios, sisal, em adereços e composição de orixás que não são adeptos aos metais, como por exemplo Omulu.

Quanto tempo voce gasta para fazer uma composição e qual o custo?

Um conjunto com 22 peças usadas por um orixá – 01 cabeça, 04 braceletes, 02 ferramentas de mão, 01 couraça [para os orixás guerreiros] 02 capangas usadas em cima das saias e 10 pulseiras no estilo “africanas” levo em média 15 dias de trabalho. Bom, o custo está relacionado com a mão-de-obra e o material empregado.

Qual o perfil da sua clientela?

Tenho trabalhado com várias casas, algumas delas mais conhecidas como o Terreiro do Gantois, o da Casa Branca, Ilê Ôpo Afonjá, Casa de Oxumaré, Pilão de Prata, Bate-Folha, etc. Quase sempre por encomendas e mais precisamente, para quem necessita estar adequadamente vestido [a] em solenidades, aparições à nível de oferendas, enfim, nas cerimônias públicas. Mas também simpatizantes do candomblé e devotos da cultura africana se interessam bastante pela minha arte. Estes são muito bem vindos. Carlinhos Bronw, Lazzo Matumbi, Gessy Gesse são como as próprias jóias que faço, brilham como ninguém. E deixá-los mais bonitos é uma honra. Mas não se assustem porque – ao falar em ouro ou prata – não há uma conotação elitista, pelo contrário, não faço uma arte cara e impossível a todos, o meu propósito é que o cliente esteja bem e feliz por usar as minhas peças.

“Armador dos Orixás” poderia ser uma insígnia?

Claro, quisera eu ser agraciado como tal. É um sentimento bom poder servir ao candomblé dessa maneira divina. Contudo tenho, mais que o prazer de fazer as ferramentas e as armas dos orixás, a missão de cuidar para que não morra esta tradição. Se tomarmos como exemplo o negro africano e fundador do Terreiro da Casa Branca junto com Iyá Nassô, o artífice Bamboxê Obitikô, de quem, desde o final século XIX e até os anos 60 foi possível ver naquele local, uma rica coroa em metal – cobre – por ele cinzelada. Peça ritualísticas de beleza incomparável, vamos ver contudo, que nem sempre o vento sopra a favor desta arte. Muito coisa nova e de pouca expressão artística tem interagido nos cultos e nos rituais. Faço a minha parte disponibilizando peças e ornamentos que seguem à risca o facultado a cada divindade. Esta é a minha modesta contribuição, e oxalá, sensibilize alguém mais!!!

Como foi a sua estada em Nova York e os “Abebés”? Vem nova exposição por aí?

Tenho unidades artísticas no Museu de Antropologia de Frankfurt na Alemanha, em Boston e Chigago nos EUA, também há peças minhas nos respectivos Du Sable Museum e no Ilê Ymenee Boston, em acervos privados diversos e já participei de várias exposições à partir de 1991. Esta mostra em especial, a do Caribean Cultural Center/Nova York, em 2000, me trouxe a alegria de representar o Brasil na montagem do altar a Oxaguian e Oxalufan, que ao lado de Cuba, Haiti, Nigéria e Trindad Tobago, não fez feio e foi um dos altares mais vistos desta exposição internacional. Quanto à religiosidade, registro uma exposição em que nos apresentamos, o 5º Salão Nacional de Arte Religiosa, promovido pela PUC/Paraná e que dentre os mais de 360 trabalhos apresentados, tivemos a honra de mostrar o único exemplar de arte fora do cristianismo, ou seja, brindar o público com três Orixás: Ogum, Oxóssi e Oxum. Quanto aos “Abebés”, esta é uma idéia futura que pretendo por em prática, a surpresa será a variedade, a qualidade e a forma de exposição destes espelhos de Oxum. Tudo muito na linha da “vaidade da Orixá”, vou provar que nem sempre é um simples reflexo o que se pode ver num espelho, aguardem!!!

Além de escultor você interage em outras artes também?

Sou filiado a Federação Baiana de Culto Afro-Brasileiro. Dos Filhos de Gandhi sou componente, mas das Filhas de Gandhi tenho experiência como diretor artístico, como também o sou, da sessão artística do Instituto Nacional e Órgão Supremo Sacerdotal da Tradição e Cultura Afro-Brasileira Rio de Janeiro/RJ. De alguma forma tento colaborar e passar um pouco do meu aprendizado na confecção plástica de algumas apresentações.

Algum recado final?

Se você gostou do nosso trabalho e deseja encomendar uma obra ou fazer a exposição das nossas peças é só entrar em contato e podemos conversar. Tudo o que fazemos é também em função, de cada vez mais popularizar e disseminar a arte maior dos nossos orixás. É o aspecto histórico e estético do candomblé que tentamos evidenciar com respeito e louvor. Nessa bela arte da confecção das armas e das ferramentas dos orixás. Valeu Marccelus pela sua atenção ao nosso trabalho. Sejamos felizes, todos os internautas, com o Alá (Toalha Ritual que cobre o Orixá Oxalá) sobre as nossas cabeças. Axé para todos nós.

Quem desejar entrar em contato com voce como dever fazer?

É só ligar para o nosso atelier tel . (71) 3267 0994 [Salvador-Bahia] ou mandar um e-mail para Gilmar Tavares: xire1@zipmail.com.br

Marccelus e Gilmar