Por Marccelus Bragg
Ele representa o fim de uma dinastia. O ocaso de uma era de de ingênua irreverência. Um dos últimos de uma elite homossexual que era o próprio talento. Antes do advento das Drags Queens, quando esta palavra era no máximo, premonição na cabeça de gringo ou até, nem existia como a compreendemos hoje, este homem, na década de 60, fazia parte de uma categoria de astros da cena gay, então intitulados de “Caricatos”.
Estes artistas faziam rir até mal humorados. Eram hilários e os seus personagens não nasciam do improviso, mas eram construidos em cima de alguma verdade, às vezes transformada em exagero ou escracho, mas real. E nos anos duros e desconcertantes da ditadura militar, driblavam a censura e se mostravam tiranizando o sistema. É por isso que nas ruas as “caricatas” ousadas proliferavam. E então existiam várias, algumas do tipo as sósias da linda primeira dama, D. Maria Tereza Goulart, outras que copiavam a Dulce Figueiredo, algumas super cômicas, com barrigas de travesseiros e expostas, tal Leila Diniz quando chocou a opinião pública ao mostrar-se grávida e usando biquini numa praia carioca.
A Maria Bethânia iniciante, nem se fala, naquele visual da Boate Barroco era uma figurassa à ser copiada. Uma “coqueluche”, assim como as caricatas tripudiavam com o pânico que “bandido da luz vermelha” difundia nas pessoas . Quando veio o plano cruzado, as caricatas se desbundaram. E contra o FMI então, estavam todas armadas de idéias para a suas apimentadas criações. Enfim, as caricatas sempre estiveram onde a crítica ou o veneno verbal se fazia presente. E a lição do sucesso dos Gays que assim atuavam, era muito laboratório, ensaios exaustivos nos trejeitos e uma boa fantasia. E claro, a lingua ferina, a empatia e a identificação com o público.
Quando os caricatos se apresentavam, seja nas casas de espetáculos ou nas ruas. E mesmo nas “Festas de Largo” ou no Carnaval, eles ganhavam notoriedade no meio. E um destes artísta, digo o mais excelente na modalidade, gozando saúde, em boa forma e que ainda vive na Bahia, é o pernambucano Romero Luiz. De origem aristocrática, leia-se um dos primogênitos da tradicional familia Japiassú do Recife, ele estudou nos melhores colégios e com padres estrangeiros na Veneza Brasileira.
Um dia foi severamente repreendido pelos pais porque fora visto, aos 15 anos, sentado na Ponte Maurício de Nassau comendo tapioca numa folha de bananeira “onde já se viu, Romero Japiassú dando um espetáculo desses, o que os conhecidos vão falar da gente?, Que você é qualquer um ? Que não te ensinamos bons modos? ” .
Com o tempo, a inclinação artística do meninote descambou para arte da cenografia, e pelas mãos de José Melo Cavalcanti chegou aos estúdios do Canal 2 – TV Jornal do Comércio – e foi assim que desenvolveu amizades e deu evazão aos seus múltiplos dons. Desta época relembra figuras inesquecíveis como o lendário Múcio Catão que ao lado do primeiro transformista pernambucano “Elpidio Lima – La Violeteira” fazia a maquiagem dos artistas no Canal 2, “o Múcio era pequeno e franzino, mas se agigantava quando fantasiado. Tinha uma personalidade muito forte – ou se amava ou se odiava o Múcio – cai nas suas graças e um dia desfilei uma das suas criações. Me vesti de palhaço intitulado a “Alegria das Crianças” no Baile Municipal do Recife no Clube Português em 1965” e também, Romero Luiz relembra outros patrimônios pernambucanos: “Consueláh era a travesti cabeleireira da televisão onde trabalhei. Uma beldade, comparada a Dalidá. A conheci ainda morando na Favela do Maruim, e já divagando sobre paragens européias.
Nestas idas e vindas, um dia retornou da França com “olhos falsos”, uma novidade que causava curiosidade, aquelas lentes envidraçadas super diferentes das atuais. E Consueláh fez nome, foi a toda poderosa dos anos setenta e era vista nas rodas sociais como um ser estranho. E em suas festas no Mangueirão, lá no Tijipió, era comum vê-la sentada no balcão a receber seus convidados. Parecia uma rainha, talhada para anfitriã. Outra figura precursora, essa folclórica, foi Lolita, um travesti acaboclado que vivia no baixo meretrício e saia às ruas com flores no cabelo. Valente, manejava uma navalha divinamente bem e quando resolvia bancar o macho, metia medo. Comprava uma boa briga de rua para defender os “viados” da Bom Jesus.”.
Romero Luiz no Recife, morava em Casa Amarela, em frente ao Náutico e veraneava com a tia artista plástica [tida pela familia como avançadinha demais e por causa das idéias quase foi internada num hospício] na Boa Vaigem. E trabalhou muitos anos no Programa “Domingo da Juventude” com a apresentação de Geraldo José. E naquela época conheceu toda a turma da Jóvem Guarda – Wanderléa, Rosimere, o Tremendão Erasmo, Martinha e foi fã de uma pernambucana super especial, a Cátia Celene, e também claro, se embalou ao som do rei do Rock pernambucano Reginaldo Rossi [hoje considerado brega]. Assim como teve a oportundiade de estar com os grandes do Teatro de Revista tipo Walter Pinto, Colé e Carlos Machado que levavam a Pernambuco grandes espetáculos com vedetes maravilhosas.
No começo dos anos 70, Romero é mandado pelo Canal 2 para Salvador onde se deveria abrir uma filial desta TV. Desta sua fase de Bahia – de TV Itapoã – data as amizades e os vizinhos que teve na Bartolomeu Gusmão no Rio Vermelho, como Jenner Augusto, José de D’ome, Mário Cravo e Táti Moreno. Familiarizado com o artista plástico Carlos Bastos frequentou muito a boate Anjo Azul, o reduto friendly mais sofisticado da velha Bahia. E outros bares e boates dos “entendidos” da época, como o Abaixadinho na Av. Sete, o Makulelê [cuja entrada era um caixão de defunto e todo o ambiente era super mórbido], a Boate Kassete [em homenagem a fita K-7 dos gravadores que começam a se tornar popular] esta casa localizada na Ladeira de Santa Tereza, bem como a Boate Safari na mesma rua e que foi o palco das suas fantásticas apresentações ao lado dos costureiros Julio Cézar Habib e Di Paula.
Romero foi vencedor de concurso público e escolhido por aclamação como o decorador oficial da cidade nos anos de 1969, 1970 e 1972, em 1971 ele não concorreu porque estava na Europa desfrutando um prêmio em Paris como o mais competente vitrinista da Bahia , pela “A Norma” casas e decorações. E como decorador de Clubes – Psicodelicou o Espanhol com os seus murais “prafrentex do paz e amor” ganhou destaque junto a comunidade espanhola da Bahia, dada a sua origem galega e se ficou conhecidíssimo nas ruas através das suas personagens caricatas inesquecíveis: Cremilda – a cozinheira de forno e fogão que ensinava receitas exdrúxulas do tipo bofe mal passado, frango furado a gosto, etc.. E também, Bárbara Estraçalhada, parodiando a Bárbara Streisand em 1979 ou a Oscaralhina – a mais famosa caricatura de uma mulher rica e esnobe, mas desbocada e casca grossa. Estas criaturas do Romero eram tão famosas, que até nos jornais a ausência delas no carnaval era comentada e sentida.
E no teatro, além da cenografia de grandes produções baianas, Romero deu uma de ator na peça “Madame Rosa” do estilista Di Paula com a atriz Jurema Pena no papel principal. Num momento de abertura política em que se fez muito espetáculo de temática homossexual. Romero não se furtou em aparecer encarando personagens gays. E também como dançarino, já que havia tido no Recife, experiências de dança com Jerluce Oliveira e Belly Barbosa, Romero Luiz veio a trabalhar com o coreógrafo Senzala no seu Corpo de Baile Ffolclórico. Tanto na confecção do figurino quando no ballet, no espetáculo “O Funeral da Rainha Nagô” no Teatro Castro Alves em 1976.
Geminiano, Romero é todo emoção. E sobre o passado dos caricatos ele vocifera: “…decretaram a morte ao sorriso espontâneo. Pois hoje em dia, o que a gente vê é a apoteose da mesmice. Onde tudo é superficial e imediato, onde não se tem o prazer e a calma ao se apreciar o belo. Onde raptores de idéias andam soltos e são os incólumes do nada, porque nada são e pensam ser algo.” Tive o meu momento, acreditei sempre em mim mesmo. Não envelheço nas idéias porque a mente aberta não envelhece, e cada dia trabalho mais, pinto muito, escuto Sarah Brighton, Callas e Cauby, e ando pelo Rio de Janeiro fazendo das minhas – máscaras, fantasias e cabeças para escolas de samba – tenho que criar, porque a arte é o ar que respiro, se existe um iluminado, este sou eu! E tenho muito o que fazer ainda, afinal, o mundo é belo e o enxergo alegre e colorido”.
Romero Luiz pode ser encontrado nos tels. abaixo! Ele presta assessoria em cenografia, pinta, desenha e faz fantasias, está disponível para viagens e se trata de uma pessoa cordial, amável e excelente artista.
71 9969 5540 e 71 9948 4803
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