Um grande exemplo de vida e de compreensão.
Por Marccelus Bragg
“Mãe é uma só” e parece que esta é uma compreensão universal, tamanho o lugar de graça que esta criatura ocupa em nossas vidas. Agora ser mãe de homossexual, nem sempre é fácil para quem vive esta condição. Essas mulheres podem ocupar todos os níveis do nosso emocional. São para muitos, figuras imperiais, porque no universo lúdico de muitos gays, comandam ou representam o porto seguro em suas vidas. Aquelas mamães perfeitas, sagradas e santas. Já para outros, se apresentam arredias, dominadoras, tiranas e castradoras. O que fazer? Entendê-las!
E aqui vai um exemplo de mamãe. Walkiria Rosário, que resolveu pesquisar e aprender o que seria o “amor entre duas mulheres”, porque segundo a própria, ninguém nasce sabendo as coisas. E foi buscar nos livros e na literatura científica o conteúdo sério e sem preconceitos, para vir a apoiar e embasar o seu orgulho intitulado “Mãe de Lésbica”. E quem é essa Walkíria, que não se envergonha da filha lésbica? É o que vamos saber agora batendo um papo com ela.
Antes de te conhecer melhor, defina pra gente o que é ser “Mãe”?
Para mim “ser mãe” é um papel social, é a mulher que cuida de um ser desde a sua tenra idade, podendo ter o vinculo biológico ou não. Ás vezes é uma avó, uma tia, uma irmã mais velha que desempenha esse papel. Você já ouviu alguém dizer, com certeza, que faz o “papel” de pai e mãe numa família. O relacionamento entre mães e filhos vai ser melhor ou pior dependendo dos vínculos criados nesse convívio. Nós mães somos seres humanos como quaisquer outro, cheios de defeitos, e qualidades.
A gente costuma culpar a sociedade como homófobica ou lesbofóbica, mas nos esquecemos que são as famílias que constituem uma sociedade. Então é na familia que nasce o preconceito?
A família é responsável sim pela disseminação do preconceito. Muitas vezes por omissão. Pode até não falar contra os homossexuais, mas acha graça nas piadas da televisão,não mostra indignação quando sabe de assassinatos de homossexuais, isso quando não comenta maldosamente sobre o filho da vizinha… A maioria das crianças nascem e vivem num ambiente onde a diversidade é considerada uma anomalia. Vai para a escola e lá também não encontra espaço para seus questionamentos e nem exemplos afirmativos sobre orientação sexual. Só mesmo muito interesse e persistência vai conseguir derrubar a muralha que foi construída ao longo dos anos e que coloca de um lado os heterossexuais , como sendo os corretos, certinhos , normais e do outro, todos e todas que não o são.
Fala uma coisa sincera pra gente. “Amor de Mãe” é uma realidade ou um mito?
Amor de mãe é sempre descrito como superior e incomensurável. Para mim isso é mito. Tem que haver dialogo, compreensão, desejo de conhecer um ao outro. Porque a mãe tem lá seus maus momentos e aquele filho ou filha também. Não será um amor idealizado que por si só vai resolver os problemas concretos, as situações que se apresentam no cotidiano. Depois as crianças se tornam homens e mulheres, os pais amadurecem e envelhecem, se formos ficar parados nos possíveis erros cometidos no passado, o relacionamento fica estagnado e vai se degenerando. O que fiz ou deixei de fazer, está lá, no tempo pretérito. E agora? O que podemos fazer para , a partir desse instante , melhorarmos tudo isso? A mãe fez o que naquele momento sabia fazer, lá na frente, com a experiência adquirida, pode até achar que deveria ter feito diferente, é virar a página e escrever uma nova história. Com mais calma, mais conhecimento, compreensão e quem sabe mais amor.
No documentário “Mãe de Lesbos” do cineasta Marcelo de Troi você é vista como uma mãe de lésbica assumida que enfrenta as opiniões homofóbicas de alguns setores da sociedade. Subir em palanques, dar palestras em universidades e distribuir corações de papel, vale ocupar todos os espaços? É isso mesmo, não tem lugar nem hora pra vc militar em favor do direito à homossexualidade?
Para mim todo lugar e toda hora é hora para dizer uma palavra que seja em favor dos direitos dos homossexuais, aliás está escrito na camiseta do NUGSEX – DIADORIM ( Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade /UNEB) do qual participo: “Direitos Sexuais também são Direitos Humanos” As pessoas muitas vezes estranham , fingem que não estão vendo o coraçãozinho escrito “mãe de lésbica” no meu peito, desviam o olhar. Mas um numero significativo pergunta o que quer dizer, o porquê de eu usar, enfim ficam curiosos e ai é a oportunidade que tenho de conversar. No ano passado peguei um ônibus no terminal da Lapa e uma jovem senhora, mesmo tendo outros lugares disponíveis sentou – se ao meu lado e perguntou como era que duas mulheres começavam um namoro. Eu disse que elas se olhavam, se interessavam , se paqueravam. Ela me olhou e falou:_ Mas então é igual ? Sim , respondi. Ela continuou… _ E como elas fazem se elas não tem… Eu expliquei: _ Elas tem boca, dedos, língua., mãos … Ela só fez hum ! E se deu por satisfeita. Como falo frequentemente sobre o assunto tudo fica natural, desmistificado. Já aconteceu de estar numa consulta médica e a doutora perguntar por que eu usava o coraçãozinho, a conversa foi muito legal , só interrompida para atender outros pacientes.
No seu espaço na Internet, o “Mãe de Lésbica” registramos os vários comentários de mulheres homossexuais que a adorariam como mãe. Desabafam, se solidarizam e se consultam contigo. Tem sido gratificante esta interação? Você tem respostas?
Muitas mulheres me escrevem, sempre que possível, respondo. O que passo para todas é que tenham paciência e façam a sua parte. Não é possível esperar que mães, criadas nesse mundo para verem suas filhinhas casadas, com um homem e tendo prole, possam entender , de imediato , que existem outras maneiras de serem felizes, de amarem , de serem amadas e constituírem uma família. Gostaria que houvesse mais espaço na mídia para se discutir, se informar e divulgar esse assunto.
Como é você no cotidiano, o que gosta, no que se diverte e no que acredita.
Adoro o mar e por esse motivo vim morar em Salvador.Da janela vejo a Baia de Todos os Santos, um espetáculo da natureza. Conheci e passei a apreciar muito a comida baiana. Aprendi fazer quiabada e quando visito minhas filhas em Campinas levo tudo:os quiabos, coentro, camarão seco, acredita nisso? Vou frequentemente ao cinema.Sou fã doHomem Aranha, é meu super-herói. Viajar é um prazer que me permito sempre que posso. Antes de mudar para Salvador vim a passeio várias vezes , visitei a Chapada Diamantina e Boipeba. Já fui fumante, há um ano, seis meses e alguns dias deixei de fumar e nunca mais retornarei a esse vicio. Raramente bebo.Cerveja me dá sono,gosto de vinho tinto seco, de “pasta”grano duro ao dente, de saladas de legumes e sopa de feijão branco. Pra dizer a verdade não sou enjoada para comer. Gosto de fazer o meu próprio pão. Toda comida feita no capricho é tudo de bom.Adoro dançar mas nunca fui a um salão de baile em Salvador.
Assisti a um programa de televisão que divulgou alguns espaços, estou planejando ir no Pelô numa quarta feira dessas para queimar umas calorias e me divertir. Gosto de musica italiana dos clássicos aos modernos e também Luiz Melodia, Elza Soares, Vanessa da Mata, Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Loreena Mckennitt, e muitos outros, meu gosto é bem diversificado. Sou taróloga há quase quinze anos e dedico parte do meu tempo estudando e aperfeiçoando meus conhecimentos sobre Tarô. Faço bijuterias ,quase sempre para presentear,mas quando vendo acho ótimo,é uma atividade que encaro como uma terapia. Viajo nas minhas miçangas, cristais, fios e coisas e tais..Leio,estudo, pesquiso e escrevo sobre Homossexualidade. Na Internet entro em sites como este , que têm qualidade e coloco, sempre que possível, minhas opiniões.
Como foram os tempos de Campinas, a tua fase mais jovem, casamento e a criação dos filhos. E o teu trabalho lidando com pessoas, problemas e as contradiçoes do cotidiano. Isto tudo ajudou na sua formção solidária para com as minorias e os deserdados da sorte?
Meus pais são falecidos.Nasci e vivi a infância na Capital de São Paulo, tenho um irmão, que vive no Recife e uma irmã , a caçula, que mora em Campinas .Faz dois anos que morreu uma irmã querida, um aneurisma a levou muito cedo de nosso convívio.Sofri muito essa perda. Morei com meus pais em Campinas, Santos e Itapira ,onde casei e tive minhas três filhas. Thais (32), Thalita (30) ,mãe do meu netinho Tarik de10 meses, que moram em Campinas / SP, e a Tatiana. (26) que mora na Itália há sete anos. Fiquei dez anos casada com pai de minhas filhas.
Fiz faculdade de Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, e nessa profissão me aposentei pela Prefeitura de Campinas em fins de 2002.
A qualidade positiva das tuas mensagens dirigidas à familia. A mãe que você é, árdua defensora da condição lésbica da sua filha, enfim, um exemplo fantástico de ser humano. Inteligente e bem articulada. Tudo isto não a qualifica a escrever um livro? Já pensou nesta possibilidade?
Já faz alguns anos que desejo publicar um livro , é um projeto que só agora está amadurecido. Em 2006 deverá ser concretizado.
Sei que você deve ter muitas passagens interessantes nesta tua rica existência, mas vc poderia descrever pra gente o momento em que tomou conhecimento que a sua filha era lésbica?
Não teve um momento exato da “descoberta” que a Thais era lésbica. Notava que ela era diferente de outras garotas da mesma idade e de como eu lembrava ter sido na minha adolescência. Sabia que ela estava numa fase complicada. A adolescência é um período de grandes transformações e conflitos e assim não transformei o comportamento da minha filha num problema. Só fui perceber que Thais realmente gostava de meninas quando ela já estava com uns vinte anos e mantinha uma amizade sufocante com uma colega de trabalho. Na época eu não morava com minhas filhas e foram elas que me contaram que a Thais estava muito triste porque a garota que ela gostava ia se casar. Fui até a casa delas e encontrei minha filha chorando. Lembro que fiquei parada sem saber o que fazer.Depois abracei minha filha e chorei junto.Falei coisas sobre o amor e que ela merecia alguém que gostasse dela também.Naquele momento o mais importante era acolher aquela menina nos meus braços. De quem ela gostava era só um detalhe, o mais importante era que ela sentisse que eu estava ali solidária.
Se você pudesse falar para outra mãe ou um pai, desorientados quanto a aceitação da homossexualidade na familia o que diria?
Primeiro que os pais façam uma reflexão sincera. : O que realmente incomoda nessa descoberta ? Quais sentimentos vêm a tona ? Façam um exercício desde o momento que aquela criança nasceu, seus anos de escola , se for o caso a adolescência.Enfim, descubram quem realmente é aquele filho ou filha.Enumere suas qualidades e principalmente se esclareçam , através de leituras, de filmes,de sites na Internet , perguntando ao próprio filho ou filha, pedindo ajuda.Mostrando que não conhece o assunto e que deseja entender o que está acontecendo. Eu sempre pergunto: Se antes você amava aquela criatura o que mudou agora que sabe que ele ou ela gosta de alguém do mesmo sexo? Onde foi parar o seu amor? Que amor é esse? O que está incomodando mais? São os vizinhos? São os parentes? São as suas expectativas que jogou nas costas do filho ou da filha e que agora percebe não serão realizadas?
Enfim, analise quem é você perante a situação e não apenas quem é o outro. Porque o outro é um ser humano com desejos próprios, objetivos próprios , você pode ajudar, aconselhar, mas não modificar o rumo daquela vida.Tomara que aquele filho procure estar sempre próximo de pessoas que o respeite , o estime e o ajude a evoluir.Se você continuar agindo de forma agressiva ou indiferente corre o risco de ser excluído do seu convívio , de ser privado de seu carinho. E o tempo amigo, este, não espera ,escoa, voa, escorre entre nossos dedos, não volta , segue célere em sua caminhada rumo ao infinito, não pára, não pára, não pára…
E aos filhos, como, quando e o que seria legal fazer no ato de “sair do armário” perante aos pais?
Creio que não tem uma regra geral. Um amigo mandou uma carta para a mãe, a outra amiga por telefone falou tudo o que tinha vontade, uma não disse nada e quando a mãe chegou para se hospedar em sua casa ficou conhecendo a companheira da filha.Penso que deve – se esperar uma oportunidade e falar antes que uma tempestade caia em suas cabeças.Falar sempre é melhor do que pegar o outro de surpresa , mas deve estar preparado para as reações mais imprevisíveis. Desde o abraço até atos de agressão física. Quanto a isso não se deve, absolutamente, aceitar qualquer tipo de constrangimento e nem aceite ser expulso de casa. Geralmente cada um conhece o pai e a mãe que tem, procure sempre uma oportunidade em que as coisas estejam mais calmas na família. Viver ignorando que existe alguma coisa que precisa ser falada ,é possível por um tempo, mas não para sempre. Isso vale para os pais e para os filhos.
O espaço é seu Walquíria, deixe aqui a sua mensagem.
Recomendo como leitura introdutória: os livros” Homossexualidade: Mitos e Verdades” de Luiz Mott, Editora Grupo Gay da Bahia e “Papai, mamãe, sou gay!” de Rinna Riesenfeld, Edições GLS . Filmes: “Minha Vida em Cor de Rosa “ e ”Desejos Proibidos “
Quem quiser entrar em contato com a “Mãe de Lésbica” Walquiria Rosário podem enviar mensagens para:
Agradeço esta oportunidade e me coloco a disposição através do email: maedelesbica@hotmail.com e aguardo a visita de todos no endereço: http://yriasary.blog.uol.com.br ( Mãe de Lésbica). Um abraço Walkíria
Fotos de Walkíria e o seu mundo afetivo: